CINZA

No céu, o cinza pesa
Tonalidade uniforme e sólida
O ar parado e concretizado
Me solidifica

Fica... fico qual estátua
Estatelada na cama
Esperando o chamado do sol
Que não chama

Minha alma de galinha ainda
Aguarda a luz para o cacarejo
Cinza no quarto, na sala, na cozinha
No espelho acinzentado, me vejo

Cinza! Cinza! Cinza!
Todas as cores são lindas
Mas qualquer uniformidade
Desarmoniza...

Para resistir
Me visto em cores
E me aventuro
Onze graus afora

Frio ventado, vento esfriado...
A paisagem acinzentada
Embute detalhes e formas
Na moldura mono-cinza-cromática

Corro em busca de luz,
calor, ação, energia
Me movo e afeto o ar,
que afetado me contagia

Correndo atravesso a névoa
E repinto meu olhar,
que recomposto dos cinzas,
Vê cores onde não há.

É preciso investir e investigar
Dentre as opções de mim
Qual pode se harmonizar
Com esse lado cinza de Berlim...

Dois homens carregam

Estou no Aterro do Flamengo.
Short, camiseta, tênis. Sol, mar, Pão de Açúcar.
No Rio, faço corridas diárias, ou quase, entre Botafogo e Catete.
O desafio é correr sem perder de vista o prazer da vista mais linda da cidade maravilhosa: a Baía de Guanabara!
Atenção ao mar, louvor ao sol, amor ao céu e gratidão à vista.
Corro Feliz!
Dentro da imagem emoldurada pelo meu olhar, avisto dois homens. Homens velhos que caminham em minha direção.
No Aterro, todo mundo pode correr, caminhar, andar, parar. Se cuidar e se largar. Fashion, marombado, fofinho, magricela ou desocupado. Todo mundo pode. O Aterro democratiza.
Esses dois homens são velhos e carregam.
Carregam algo. Cada um o seu volume. Não identifico o quê.
Me chamam a atenção, e eu os observo. Se incluem no meu foco.
Andam lado a lado, no mesmo ritmo sem poder evitar um ao outro.
Por certo, não se conhecem. Não se olham, nem se comunicam.
Mas como têm o mesmo ritmo, não podem se evitar.
Os dois são velhos. Os dois carregam.
Um é negro. Outro é branco.
Os dois carregam.
O negro parece carregar o peso da vida.
O branco, um certo orgulho pela conquista do descanso merecido.
Os dois caminham.
O negro como quem não tem rumo.
O branco como quem cuida da saúde.
Os dois carregam.
Lado a lado, no mesmo ritmo.
O negro meio sem perceber a presença do branco.
O branco meio incomodado com a proximidade do negro.
Os dois carregam. O quê?
Um saco plástico cheio de lixo, cheio de resto, cheio de vazio.
Um cachorrinho bem cuidado, de pêlo branco como algodão.
O saco preto. O cachorrinho branco.
O velho negro. O senhor branco.
Um ao lodo do outro. No mesmo ritmo.
Caminham por estradas paralelas que riscam histórias distintas.
O caminhar dos dois diz muito sobre a cidade.
Enquanto caminham e carregam, contam nossa história.
Eles são a cidade. Estamos no Rio!

Eu e as Cidades

Entre Berlim e Rio
Entre Rio e Berlim
Vendo Berlim do Rio
Vendo Rio de Berlim

Privilégio
Sorte
Susto
Sacrilégio

Duas cidades
Duas moradas
Vôos, caminhos
Pontes, estradas

Uma assim
Outra assada
Ambas, mutuas
Mistas, muitas

Vice e versa
Verso e conversa
Texto e contexto
Multi e culti

Meio lá, meio cá
Com elas me encanto
Me perdendo nelas,
Me encontro!