Dois homens carregam

Estou no Aterro do Flamengo.
Short, camiseta, tênis. Sol, mar, Pão de Açúcar.
No Rio, faço corridas diárias, ou quase, entre Botafogo e Catete.
O desafio é correr sem perder de vista o prazer da vista mais linda da cidade maravilhosa: a Baía de Guanabara!
Atenção ao mar, louvor ao sol, amor ao céu e gratidão à vista.
Corro Feliz!
Dentro da imagem emoldurada pelo meu olhar, avisto dois homens. Homens velhos que caminham em minha direção.
No Aterro, todo mundo pode correr, caminhar, andar, parar. Se cuidar e se largar. Fashion, marombado, fofinho, magricela ou desocupado. Todo mundo pode. O Aterro democratiza.
Esses dois homens são velhos e carregam.
Carregam algo. Cada um o seu volume. Não identifico o quê.
Me chamam a atenção, e eu os observo. Se incluem no meu foco.
Andam lado a lado, no mesmo ritmo sem poder evitar um ao outro.
Por certo, não se conhecem. Não se olham, nem se comunicam.
Mas como têm o mesmo ritmo, não podem se evitar.
Os dois são velhos. Os dois carregam.
Um é negro. Outro é branco.
Os dois carregam.
O negro parece carregar o peso da vida.
O branco, um certo orgulho pela conquista do descanso merecido.
Os dois caminham.
O negro como quem não tem rumo.
O branco como quem cuida da saúde.
Os dois carregam.
Lado a lado, no mesmo ritmo.
O negro meio sem perceber a presença do branco.
O branco meio incomodado com a proximidade do negro.
Os dois carregam. O quê?
Um saco plástico cheio de lixo, cheio de resto, cheio de vazio.
Um cachorrinho bem cuidado, de pêlo branco como algodão.
O saco preto. O cachorrinho branco.
O velho negro. O senhor branco.
Um ao lodo do outro. No mesmo ritmo.
Caminham por estradas paralelas que riscam histórias distintas.
O caminhar dos dois diz muito sobre a cidade.
Enquanto caminham e carregam, contam nossa história.
Eles são a cidade. Estamos no Rio!

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